“Tenho muitas perguntas na minha cabeça para fazer a esses militares. E quem devia fazê-las? Os políticos. Os deputados, ditos representantes do povo, da gente. Existe político?” (Zuzu Angel)
No último dia 07 foi noticiado pela Agência Brasil, o pedido
de desculpas do Estado brasileiro a uma professora, uma psicanalista, uma
advogada e uma jornalista, por violências e perseguições sofridas durante a
ditadura militar, e vão receber indenizações relativas aos prejuízos materiais
que sofreram devido à perda de empregos, exílio e prisão por motivos políticos.
Neste mesmo texto, o jornalista Jorge Wamburg relata fatos acontecidos com
essas mulheres no período de repressão política vivido no Brasil durante a
ditadura, e me chamou a atenção a história da jornalista Lúcia Leão, que foi
presa quando tinha 16 anos, passando 30 dias detida no Doi-Codi, em São Paulo,
onde testemunhou requintes de tortura contra outros presos políticos. Diate desse fato recente, emerge a necessidade de escrever sobre essa mulher.
Romper o silêncio imposto sobre a importância dessa mulher
num contexto histórico masculinizado como o da ditadura militar, é romper
historicamente um ciclo de invisibilidade feminina. Ouvir a voz, o grito, o
choro de mulheres que enfrentaram de diversas maneiras estereótipos construídos
para diminuir uma consciência política quando as mesmas se engajavam em
movimentos e partidos políticos na luta pela democracia.
Onde estão essas mulheres que não ocupam espaço na escrita
da história do Brasil? Mulher subversiva era considerada prostituta: a PUTA
COMUNISTA. Essas mulheres eram motivo de desonra para a as famílias, pois
contrariava toda uma tradição de preparação para o casamento e entrava na
militância política “como homens”.
“Até quando haverá no Brasil mulheres que não sabem se são viúvas, os filhos que não sabem se são órfãos, criaturas humanas que batem nas portas implacavelmente trancadas, de um Brasil que julgávamos ingenuamente isento de tais insanas crueldade?” (Tristão de Athayde)
A resistência da mulher à ditadura militar rompeu com
padrões tradicionais de gênero, criando como sequência a disseminação da violência
e da tortura adquirindo características específicas de violência baseada no
gênero. Degradação, humilhação, torturas direcionadas ao corpo feminino foi uma
prática adotada pelos militares como uma espécie de aviso oculto “deveria
procurar seu lugar, agora aguente.” Estes eram os agentes do Estado brasileiro.
“Funcionários de um Estado de Exceção, que, durante a ditadura militar, tinham licença especial para matar, torturar ou estuprar. Agentes que viam as mulheres militantes como desviantes, aquelas que renegam sua natureza ousando ocupar o espaço da luta política.” (Susel de Oliveira)
Maria Amélia Teles, foi presa em 1970 junto com seu marido.
Era militante do PCdoB. Seus filhos foram levados para a sala de tortura, para
presenciar as sessões. Hoje milita pelos direitos de presos políticos e também
pelas mulheres.
A necessidade de exposição da figura feminina submetida à
tortura, ou aos filhos ou marido/companheiro fazia parte do objetivo de
denegrir essa mulher, mostrar o outro lado, deixava de ser vista como mãe,
santa, esposa e passava a mostrar a figura desnuda da prostituta, justificando
a prática do estupro. Quase todas as mulheres presas foram estupradas pelos
agentes do Estado.
Quero encerrar essa postagem/desabafo falando de Lucia
Murat, por quem tenho admiração a partir do momento em que tive contato com sua
história de militância, sua experiência de tortura nos porões da ditadura, a
qual influencia as suas obras. O documentário “Que bom te ver viva!” desconstrói
o estereótipo criado para identificar essas mulheres e apresenta a força,
convicção, resistência e superação dessas mulheres que acreditaram que podiam mudar o país.
Meu respeito e admiração pela coragem. Essas mulheres não devem ser esquecidas
pela nossa história.
"Eu, Zuzu Angel, procuro meu filho", de Virgínia Valli.