Na idade Média uma série de atos punitivos de cunho
religioso eram realizados com
perseguições motivadas pela crença de um povo que entendia ser necessário punir
que supostamente praticava rituais exotéricos. Estima-se que foram de 40 a 100
mil execuções por ato de bruxaria em quatro séculos. Nesse cenário de horror, as vítimas eram
mulheres, considerando um período de conceitos arcaicos, dominado
ideologicamente pela Igreja Católica, prevalecendo uma visão teocrática, onde o
ser humano não tinha valor nenhum,
principalmente a mulher.
A violência era extrema e tudo servia para incriminar uma
mulher de bruxaria, participar de revoltas, utilizar de curas alternativas
contrariando o poder médico, a sensualidade... Até o erotismo da mulher foi
considerado aspecto do mal na sociedade. Muitas mulheres foram conduzidas à
fogueira por despertarem interesse sexual, acusadas de desvirtuarem os homens
com atos libidinosos. E tudo isso
acontecia em praça pública, para que todos pudessem ver esse espetáculo de horror,
atraindo a atenção das pessoas.
Anna
Pappenheimer tinha 59 anos, filha de coveiro, casada por 37 anos com um
limpador de fossas, teve 7 filhos, dos quais três sobreviveram. Essa família
foi denunciada como bruxos por um criminoso condenado. Foram presos,
interrogados, torturados com violência extrema e para diminuir o sofrimento
admitiram o pacto com o diabo. Anna confessou que havia voado em um pedaço de
madeira para ir de encontro ao diabo, que havia feito sexo com seu amante
demoníaco, matando crianças para fazer um unguento para passar em seus corpos.
Condenados por feitiçaria, os adultos da família foram condenados à morte. Anna
teve a pior punição: ela foi despida e os seios decepados e colocados à força
na boca de Anna e dos dois filhos, enquanto sofria com uma hemorragia
ininterrupta. Alemanha, século XVI.(Jornal do Brasil, 22/03/2014)
E como a população assistia a isso passivamente? Como se
deixou influenciar? O povo acreditava firmemente que estava fazendo a coisa
certa, porque a Igreja determinava o pensamento daquele período. Motivado pelo
medo os atos de violência e crueldade justificavam o elemento causador de
toda essa barbárie.
Fabiana Maria de Jesus, 33 anos,
morta no Guarujá, litoral paulista, por causa de um boato espalhado na internet,
de que havia uma sequestradora de crianças na região. Fabiana foi amarrada, espancada e arrastada
por um grupo de moradores do bairro
Morrinhos, do Guarujá. Era mãe de dois
filhos. São Paulo, 2014. (Folha de São Paulo, 05/05/14)
Hoje estamos diante de uma nova barbárie cinco séculos
depois, quando vemos estampada em
manchetes de jornais, nas redes sociais, nos canais de vídeo, uma série de práticas denominadas de justiça,
espalhando uma crueldade sem limites, instigadas por uma mídia que ideologicamente teima em implantar
um pensamento irracional numa população
desacreditada e com medo. Medo de que? Da violência, da impunidade, agem em
nome da sociedade, que assiste passivamente a esse tipo de punição exposta pela
mídia. Hoje a praça pública foi substituída pela câmera de vídeo, pelos sites e
redes sociais.
Josimar Dias de Sena, 18 anos, foi
retirado à força de sua casa por homens desconhecidos no dia 17 de abril. De cuecas,
amarrado com pedaços de lençol a um poste de energia elétrica, recebeu golpes
de fio de cobre. Durante as agressões, suspeito de assalto, foi obrigado a
gritar: Nunca mais vou roubar no morro. Os moradores filmaram o espancamento e
postaram em rede social.
A ação de justiceiros que
se colocam com poder de polícia nos remete ao período da caça às bruxas,
não só pelo modo de operar como pelo fato de pensar que está fazendo o certo,
punindo aquele passível de punição, sem o direito de se defender, baseado em
denúncias e supostos crimes cometidos.
Na noite do dia 31, um adolescente
de 15 anos foi agredido a pauladas e acorrentado nu pelo pescoço a um poste no
Bairro do Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro. Testemunhas afirmaram que o garoto
foi agredido por cerca de 30 homens que estavam de moto, porque supostamente
teria roubado peças de bicicletas. As fotos e o vídeo foram postados em rede
social, alguns aplaudiam e outros repudiavam a essa cena de horror. Canais
televisivos fizeram desse ato uma subida nos índices de audiência.
O que percebemos até aqui é que existe um temor da população
que fica exposta a qualquer tipo de criminalidade, que não acredita na justiça,
que não se sente protegida e pode fazer justiça com as próprias mãos, começa
a agir por conta própria, instigadas por grupos que disseminam a violência e
apoiam atitudes como estas. Uma ideologia dominada por uma mídia
sensacionalista e manipuladora que convence o agressor de que está correto
quando toma em suas mãos a decisão de quem pode viver e quem deve morrer, numa perspectiva punitiva.
Nessa nova versão de
caça à bruxas, a vítimas são os pobres, os pretos e as mulheres. Por que será?
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